.acordou janeiro. pesou sobre os ossos atos e imobilidades. sem olhar no verso avançou: poema ante poema. até rumar entre escuros matinais e margear soleira.
.(antes – pouco depois do meio do caminho – ouviu cantos de nascimento. mas seguiu sem curva).
.entrou no fora do quarto quase todo fevereiro. hesitações entre os dedos que já se plantavam no espanto dos turvos da vista. ditirambos dionisíacos o seguiram por um tempo mas não comiam passos. apenas traziam faísca de quando em quando entre segredos de corpo.
.no fim do corredor março já se podia perceber o tamanho dos fardos e das asas que lhe davam esse ar de surreal zepelim ou um sei lá de leveza imensa. compacta leveza. densa como nuvem de chuva que paira. sem deixar chuva sobre a face. só aquele espanto úmido das coisas grandiosas.
.abril-se sem pressa. talvez até parasse à propósito de esperar quem lho rogasse que seguisse adiante. ninguém pediu nada. foi quando respirou umas horas de disciplinas antigas e acertou novamente o passo. permanecia aberto para a passagem das luzes e para os desejos de amor inconfesso que ladeavam as costelas com marcas de pra sempre.
.quando resolveu deixar uns momentos à esmo de maio colibris vagavam por entre os cachos. néctar vista adoçando vejos. escorreu até raiz. vazando flores de aroma intoxicante. foram precisos luares e véus para lembra-lo do destino pretendido.
.estava com os pés mar de junho quando respirou sonetos. quartetos alexandrinos. quadras e haikais. mas logo começou a lhe pagear noite julho. curvas e seixos. amargos e adocicamentos. desmontou astrolábios com beijos siderais.
.soturno silenciou agosto. denso como uma pedra filosofal. profundo. consistente. tardou entre escuros novos. desses de onde se parte para nunca mais e um dia se de novo. ao palavra: se ouvia ventre de concha na sua voz. onde apartou-se do porque. quase não dobrou a esquina do que pensou assim.
.como se fosse assim sempre setembro pintou-lhe os braços com horizonte. caminhou quase sem parar entre as vigas das pétalas promessas que lambiam velocidade com sem número de esquecimentos felizes e destinos novos.
.já era uma cidade seu olhar outubro. com gentes de invenção correndo de um lado para o outro ou nada fazendo ou amando-se entre macios ou digladiando algures ou sonhando aqui e lá. cidade-olhar volante. algaravia de crianças sobre as poças de tristezas abandonadas e empinando pipas-momento em cada céu desenfreado.
.bastou-se novembro e preferiu olhar-vilarejo. menos por desprezo às coisas da vista-urbe e mais por apreço à cálida potência das coisas menores e delicadas. foi nessa delicadeza devastadora que consumou seus planos de viagem. foi onde cravou no sextante nome de ser amado. e também onde secou alforge para caminhar mais brisa.
.difícil de ver-lhe dezembro. tudo se lhe era corpo. os moços andando para o jogo. as moças à rirem-se nas escadas. os velhos amansados nas varandas. as crianças em disparada pelos verdes e cinzas. tudo lhe era. cada coisa dizia de si e de tudo além. foi ficando cada vez mais aberto seu passo. até caber nele toda a vida.
.e seu indo foi se tornando é.
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